Quando eu era pequenito, adorava o tempo de festas populares que no meu Porto se viviam principalmente em dois pólos: nas Fontaínhas e na Boavista. Apesar de em quase todos os bairros haver bailarico e concentração de foliões, eram milhares os que acorriam a estes dois pólos para ver as rusgas e participar na tradicional batalha campal da martelada, do alho pôrro e da erva cidreira... Lembro-me até que numa dessas noites a caminho da Boavista corria pela Rua de Nossa Senhora de Fátima abaixo, larguei a mão dos meus pais e de martelo na mão (e de cabeça erguida) cruzei-me com um valente poste de iluminação pública que imediatamente me condecorou com uma rachadela de cabeça, prontamente assistida no posto de enfermagem da Cruz Vermelha, de onde segui para o “campo de batalha” de novo de cabeça erguida... e partida! Gostava e gosto de vêr o lançamento do balão, de vêr as pessoas de nariz no ar e ouvir o “ó patêgo, olhó balão”... já mais velhinho – deveria de ter aí os meus vinte e poucos anos – aventurei-me no lançamento do primeiro balão, que não correu lá muito bem... com o tempo – e a idade – aprendi e tomei-lhe o geito e hoje já sou quase um mestre lançador de balões....
No meio de todas estas recordações, fico a pensar no que mudou... Ainda neste S. João presenciei uns “gandins” que em vez de dar as tradicionais pancadinhas se divertiam a martelar com a parte dura do martelo a cabeça de alguns desprotegidos, outros absorviam litros de cerveja e depois gastavam as fermentadas calorias numa corrida até às areias das praias da foz, uma outra senhora (que aparentava ter idade para ser avó) abriu literalmente as goelas com os habituais pronomes impessoais apenas porque um amigo meu tentou estacionar no lugar do contentor - e lá tive eu de intervir acalmando e exaltando ao mesmo tempo... é aqui que eu páro para pensar...
Conheço pessoas que são agressivas por natureza ou que não dispensam o lançamento de umas bocas...
Nestas coisas de ser agressivos, de mudar habitos, de discutir, de mandar uns “bitaites” nós somos exactamente como os balões de S. João: estamos cheios de ar por dentro!
Quando acendemos a mecha no balão, o ar que está dentro vai aquecendo e ao atingir uma determinada temperatura, faz o balão subir atraindo a atenção de todos... Se é certo que uma discussão ou um boato, quando sobem de tom, atraem a atenção dos olhares e narizes de muitos “patêgos” certo é também que, são apenas momentos em que o que ar quente nos fez inchar e mais cedo ou mais tarde irá arrefecer, sepultando o balão – já sem luz – numa qualquer valeta do esquecimento. O meu avô dizia-me muitas vezes na aldeia que quando um carro de bois chiava muito, era sinal de que ia vazio, sem nada dentro, e a minha avózinha lembrava-me muitas vezes que tudo o que incha, desincha e passa... lá tinham as suas razões de douta sabedoria, apesar de serem gente com poucos estudos!
Caríssimo(a) Amigo(a):
Vale a pena aproveitar estas férias para arrefecer os animos, renovar o ar que temos dentro de nós e deixar as discussões e os “bitaites” numa qualquer valeta da estrada da vida. Bem sei que é dificil, pois ninguém gosta de perder e a resposta gera necessariamente uma resposta – no meu tempo de escola primária era uma pergunta que gerava uma resposta – e se a dita vem agressiva, só faz aumentar a agressividade. Muitas vezes, são estes “aquecimentos” que nos fazem subir deixando-nos vulneráveis a qualquer pequena corrente de ar que nos poderá entortar e incendiar... Quantos amigos se separam, quantos casais se desentendem, quantos filhos se desviam, quantos colegas de trabalho perdem a confiança, apenas porque o ar simplesmente aqueceu. Que o balão da nossa vida pessoal e profissional sirva essencialmente para nos fazer subir na vida, cheios de calor humano que nunca acaba e nos leva mais alto e mais além.
Umas boas férias para todos.
Paulo / Junho de 2006